A Medicina Fetal é especialidade que tem o desafio de cuidar da vida do homem em um cenário que não é possível contato direto – o feto em desenvolvimento no útero. É desafiador e ao mesmo tempo admirável a possibilidade de intervir em uma fase muito precoce da vida com o avanço das técnicas e tratamentos desenvolvidos nos últimos 25 anos. Tais intervenções podem transformar radicalmente a vida daquele ser que está por nascer. Exemplos disso são as cirurgias fetais, como a reparação da mielomeningocele ainda no útero materno. Mas apesar desse êxito da medicina, existem algumas malformações e doenças fetais que não tem possibilidade de tratamento, nem após o nascimento. O comunicado do diagnóstico aos pais de que aquele bebe tem uma alteração é uma etapa da assistência médica muito delicada.
Como a maioria dos médicos, meu treinamento na faculdade e residência médica foi dedicado ao diagnóstico de doenças e ao domínio de opções terapêuticas. Não estamos preparados para ficar sem escolhas terapêuticas. E quando nos encontramos diante de um diagnóstico que não existe tratamento ou que apesar dos nossos esforços não somos capazes de chegar a um resultado satisfatório, experimentamos, em um primeiro momento, a sensação de fracasso, de impotência, de escassez e isso pode causar ruídos de comunicação entre médico e paciente.
O momento de falar sobre um diagnóstico que vai contra as expectativas dos pais de um filho perfeito e saudável é delicado, pois naquele instante estamos desconstruindo toda uma ilusão criada em torno daquela gestação e daquele bebe. Naquele instante… desconstruímos um sonho. O diagnóstico de uma síndrome genética ou malformação fetal que não permitem a sobrevida daquela criança após o nascimento ou que permita uma vida que não vai de encontro as expectativas dos pais, é catastrófico. Qual seria a melhor maneira do médico comunicar o diagnóstico e amenizar esse sofrimento dos pais? É uma pergunta muito difícil… Não existe uma regra. Cada família terá sua demanda e cada patologia tem suas peculiaridades. Mas é certo que quando nos colocamos de lado da paciente e da família, ela sente que nesse momento compartilhamos da sua dor, sofremos um pouco o sofrimento dela, percebe que sua tristeza foi vista e reconhecida, que a existência de seu filho, ainda que breve, está sendo respeitada e admirada. Não ter opções terapêuticas não é sinônimo de não se ter mais nada a oferecer. O efeito de apenas estar ali compartilhando e sendo solidário é incrível, é curativo para ambos os lados! Nesse momento somos ponte entre dois mundos: o da expectativa de uma criança perfeita e o da nova realidade que se apresenta. Devemos ser essa ponte estando presentes de fato, compartilhando com o casal de forma respeitosa e carinhosa as evidências cientificas existentes até então e acolhendo com empatia e escuta.
Médicos e pacientes precisam aprender a reconhecer os limites do poder da medicina. E isso significa ter compaixão por nós mesmos. Lutamos diariamente para conciliar a grande responsabilidade de curar com a realidade de que toda vida é finita. A beleza da vida não deveria ser tomada como garantida, existe o outro lado… existe a escuridão. Mas essa escuridão nos permite ver a luz, quando compreendemos e convivemos com sabedoria e leveza com nossos limites.
A empatia, a comunicação e a tomada de decisão compartilhada são essenciais e tem cada vez mais valor na nossa sociedade. Eu acredito que esse é o caminho para uma relação de respeito e informação.
Sejamos essa ponte, pelas nossas pacientes e por nós!
Texto de autoria da Dra. Marianna Amaral Pedroso.
Baseado em uma profunda conversa com um grande amigo durante um voo e no relato de Bettina Paek “The Unexpected Power of Presence”, publicado no ACOG em abril de 2019