“Falei para ele viver e sorrir imensamente e ele está levando a sério isto”
Engravidar depois dos 40 anos, com um filho de 12 anos considerado “independente” não foi uma decisão fácil; mas escutar da ginecologista que todos os outros sonhos/ metas de vida poderiam ser adiados, menos gerar outro filho foi determinante para planejar a gravidez.
Realizei todo o protocolo: exames rotineiros, metilfolato, suplementos, tudo com orientação médica. Em 2015, 7 anos antes desta gravidez, fiz cirurgia bariátrica e sempre fui rigorosa com meus exames. Nunca tive nenhuma patologia causada pela cirurgia, nada que explicasse o que viria acontecer na futura gestação.
Estava entrando na 13º semana de gestação, tudo correndo bem, mas por indicação da minha prima radiologista realizei o US Morfológico do 1º Trimestre na Fetali em BH, pois na nossa cidade não se realiza este exame. Sou uma pessoa ansiosa e a gravidez me deixou mais ainda. A orientação dela era para certificamos que estava tudo bem e eu acalmar.
Pois bem, no dia 15/03, 5 dias após fazer 42 anos, a Dra Carolina ao finalizar o ultrassom falou: “está tudo bem com seu bebe, mas …. ( entre o mas e a Dra terminar a frase a alma sai do corpo, a sensação do desmaio vem, frações de segundo duram horas. O mundo para, a respiração para) tudo indica que seu bebe tem mielomeningocele”. Meu Deus: o que é isto??? Que palavra é esta que ela acabou de falar? Lembro-me de ter perguntado: vou ter que interromper a gravidez? É um câncer? Então a Dra explicou e mostrou as imagens da má formação no meu US que tinha acabado de fazer. Me orientou a consultar com o Dr. Fábio Batistuta após 4 semanas para confirmação do diagnóstico e orientação.
Importante ressaltar que em nenhum momento fui ao Google e pesquisei sobre a “palavra que acabava de escutar”. Conversava com amigos médicos e rezava. E numa conversa com Deus, perguntei: será como vivem pessoas assim? E fui ao laboratório colher sangue. La comecei a chorar e a atendente perguntou o porque do choro. Expliquei o que estava passando. Então ela disse: mielomeningocele? Jéssica que trabalha aqui tem. Quase não acreditei: a resposta de Deus veio rápida. Lá estava Jéssica, na minha frente, com seus quase 30 anos, trabalhando, algumas sequelas pélvicas, mas vivendo tranquilamente a vida dela.
Estas 4 semanas foram de culpa, medo, dúvidas. Me culpava pela idade, pela cirurgia anterior, por não ter passado o “componente” que o José precisava e vários outros questionamentos. Depois vi que é legitimo a mãe se sentir assim. As mães sempre se culpam por tudo, imagina quando algo dá “errado” então …
A consulta com o Dr. Fabio foi de um acolhimento de aquecer a alma e o coração. Por mais doloroso que foi ter a certeza da malformação do José Vitor, ter o Dr. Fabio – também a Dra. Carolina no primeiro diagnóstico – foi fundamental para toda nossa aceitação e entendimento do que estava acontecendo. Quando o Dr. Fábio me apresentou os estudos de operar a malformação intrauterina em comparação com a conduta conservadora não tive um segundo de dúvidas. Qualquer redução das sequelas que o José Vitor poderia ter, eu daria minha vida por ele. E assim fiz.
Operamos intrauterino com 22 semanas de gestação. Alta do CTI e do hospital antes do esperado. As boas notícias, os milagres, continuavam a acontecer: com 8 dias pós cirurgia, houve reversão total do Chiari II do cerebelo do José Vitor.
Pronto! O Objetivo da cirurgia tinha sido alcançado porque quando se propõe esta intervenção é pensando na parte neurológica. A parte ortopédica, pélvica, isto é tratado pós-nascimento.
Continuei a gravidez por mais 12 semanas, quando a bolsa amniótica rompeu e José Vitor nasceu com 34 semanas e 4 dias. Lembro que toda vez que perguntava ao Dr. Luís Guilherme (o maravilhoso obstetra que nos acompanhava) questões sobre o parto, ele dizia “parto é uma caixinha de surpresa” e realmente ele estava certo. O Dr. nos proporcionou um parto encantador com playlist, humanizado e Deus ainda providenciou que a residente do Dr. na época era uma grande amiga minha. Foi mágico o nascimento do José Vitor.
José Vitor chorou alto e forte quando nasceu. Sabe aquele ar que estava preso desde 15 de março? Pois bem, neste momento ele foi solto. Escutar o choro do meu filho, vê-lo forte e saudável foi restaurador.
Com o diagnóstico de mielomeningocele, parto pélvico, prematuro antes de 35 semanas, a conduta foi conduzi-lo para a incubadora. Teve icterícia, mas nada relacionado com a mielomeningolece.
Passamos uma semana no hospital, a cabeça a mil pois éramos amparados pela equipe Fetali e agora começava um mundo novo. Como vai ser daqui em diante?
Aqui entra a fundamental orientação e confiança no neurocirurgião que operou o José Vitor. Ele é o “juiz” da situação, ele que nos da o norte de como devemos agir. Entao, a equipe multidisciplinar que nos acompanha é composta por: neurocirurgião, ortopedista, nefrologista e fisioterapeuta.
José Vitor faz acompanhamento com estes profissionais antes de ter 1 mês de vida. Costumo dizer que pessoas típicas procuram ajuda médica quando o problema aparece ou com o passar da idade que vão aos especialistas. Bebês com mielomeningocele não, eles já são acompanhados antes do problema aparecer, irem em especialistas faz parte da rotina e como isto nos deixa tranquilos.
Claro que frustações acontecem, mas a motivação, a esperança e o resultado são infinitamente maiores. Jose Vitor é um dos bebes mais risonho e feliz que existe. Não existe obstáculo para ele. É de uma força gigante. Além da cirurgia intrauterina, operou tenotomia (pé torto) com 6 meses e voltou da anestesia engessado como se nada tivesse acontecido.
Uma estratégia que me ajuda bastante como mãe é ter relacionamento com mães de bebês mielo. Tenho contato com bebês mais velhos e mais novos. Também li o livro “ Mielo, histórias de vida (s)” onde constatei que mielo não é receita de bolo. Não existe: “todo mielo vai usar órtose! Todo mielo vai ter bexiga neurogênica!” Cada vez mais estou convencida que cada mielo é único, cada um desenvolve de uma maneira de acordo com sua potencialidade e estímulo proporcionado. Acredito sim na medicina, nos estudos, mas acredito muito mais no meu filho.
José Vitor hoje tem 1 ano e 2 meses . Faz natação, fisioterapia e muita arte pela casa. Tem apelido de foguetinho. Já imaginou porque? Porque não para quieto! Engatinha lindamente por todo lugar – vive com o joelho imundo – pronuncia algumas palavras, fala o tempo todo em sua língua, começa a ficar em pé escorado nos moveis, alimenta super bem. Enfim, tem sua rotina saudável como qualquer criança. Falei para ele viver e sorrir imensamente e ele está levando a sério isto”.
Patrícia Guerra,
Itabira, Minas Gerais, 24 de Outubro de 2023
Importante:
Todos os relatos foram escritos pelas próprias mães com o intuito de dividir a experiência de cada uma. Assim, podemos de alguma maneira acolher cada família com esses relatos de fé e amor que envolvem a Mielomeningocele.
Todas as fotos e vídeos foram autorizadas pelas famílias.